quinta-feira, 20 de setembro de 2012

O estado da (des)arte

1. A espontaneidade e mediatismo das manifestações que ocorreram em todo o País são um marco que dão um sinal bem claro de que, ainda que economicamente possamos estar débeis, temos de impedir a instabilidade social, não só por razões socioeconómicas, mas porque o Estado de direito e a ética da cidadania a isso obrigam.

2. A constatação algo unânime da situação socioeconómica, especialmente nos Açores, levou a Câmara do Comércio e Indústria dos Açores, a Associação Agrícola de S. Miguel e a União Geral de Trabalhadores (UGT)/ Açores a assinaram um documento que saiu sob a designação de “Manifesto” e subtitulado “Construir a Sustentabilidade do Emprego em Organizações Competitivas”. Sindicatos e patronato unidos numa mesma frente não será algo muito comum e só isto reflete bem o estado da (des)arte…

3. Foi apresentada a Carta Regional de Competitividade da Região Autónoma dos Açores que se crê ser um documento sério e dar um verdadeiro contributo para que os Açores enveredem por uma via sustentável e continuada de crescimento. Do extenso documento realça-se que futuros planos de ação devem ser alicerçados num triângulo Natureza - Conetividade [transportes e comunicações] - Conhecimento. Talvez nada de novo... talvez o reforço do óbvio crie mesmo algo de novo!

4. Entretanto, em Bruxelas, discute-se a nova política de promoção de produtos. Juntar tudo sob a “bandeira” da União Europeia parece ser o caminho que os eurocratas pretendem, não será talvez o que melhor sirva os Açores.

Açoriano Oriental, 20 de setembro de 2012

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Expliquem-nos sff

Só a ignorância natural de todos poderá justificar que não alcancemos o inalcançável - ninguém consegue perceber aonde nos leva o caminho das novas medidas fiscais. O mínimo que se poderia exigir era que nos explicassem, como se fossemos muito burros, pois nem a panóplia de grandes economistas, nem os grandes do empresariado, nem a sociedade civil, nem o anónimo cidadão percebem.

Que mais não seja pela repetitividade do discurso, já percebemos que gastamos demais, que o Estado não aguenta, que temos de sofrer as consequências da gula, que estamos cada vez mais gregos.

A hora é crítica, por isso exigente para os políticos. Mas esses mesmos políticos não podem anunciar a dureza sem explicar o motivo, usar de deselegância na forma, por pseudoelegância no fim. 

E o anónimo não pode continuar a ser o bobo da corte, mesmo que na realidade seja ele o cidadão da república a quem incumbe pagar pela gula…



Onde está o exemplo? As reduções de regalias e de ordenados de parlamentares, governantes e gestores públicos, ainda que por princípio!? Onde está o travão à corrupção que entra pelos olhos de todos, essa sim muito corruptiva do orçamento deficitário? Onde está a extinção de departamentos, associações, observatórios, institutos, empresas e outras formas de sorver o erário público? E que é feito da revisão das PPP?

Ah! E não nos esqueçamos de usar bem a terminologia: os impostos sobre o rendimento das pessoas não aumentaram 7%, foi só a TSU que aumentou, ao menos isso nos fizeram o favor de explicar.

Açoriano Oriental, 13 de setembro de 2012

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Um Memorando só para mim

Costuma dizer-se “perdido por cem, perdido por mil”, neste caso parece que nos perdemos por cento e trinta e cinco - 135 milhões de euros, valor do empréstimo que a República concedeu à Região.

Conforme o hábito, também houve honras de “Memorando de Entendimento”, entre o Governo da República Portuguesa e o Governo dos Açores. Catorze pontos que, para além de estabelecerem a efetivação do empréstimo, estabelecem que a Região se compromete a “aplicar as medidas que visam garantir o cumprimento dos objetivos do PAEF [Programa de Ajustamento Económico e Financeiro], no quadro das suas competências constitucionais e estatutárias, adotando, se necessário, iniciativas legislativas ou regulamentares” e ainda a aplicar “todas as medidas previstas em Lei do Orçamento do Estado, que respeitem, direta ou indiretamente, a quaisquer remunerações dos trabalhadores em funções públicas”.

Caiu o pano! Ao mesmo tempo, está em curso o guião para a peça de teatro a que vamos estar sujeitos, pelo menos enquanto durar o programa da troika e o empréstimo que a Região pediu.

A julgar pelo momento político e pelo histórico que por aí vai dos que vão pedindo ajudas para as finanças, perder-se por 135 milhões deve ter sido lancinante, mais se ficar no ar a ideia que outros ajustamentos haveria. Quiçá haverá, num tempo que não é este.

A República talvez até agradeça. Por pouco custo garante o apreciado apoio dos Açores no esforço nacional de convergência troikiana. Dá a (mão) direita, retribui a esquerda.

Açoriano Oriental, 6 de setembro de 2012

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

O Padre Voador

Para Bartolomeu de Gusmão ficam os louros de inventar e pôr em voo a primeira aeronave conhecida no mundo. Em Lisboa, ano de 1709, o aeróstato é chamado de Passarola e o seu inventor, português nascido no Brasil, padre jesuíta, fica para a história como o “padre voador”.

O padre voador estaria longe de vir a pensar o que seria um avião e a importância que teria para encurtar a geografia e aproximar as pessoas; nem consta que se preocupasse muito com os Açores e a sua estratégica, mas distante, localização.

Com uma breve contextualização ao padre voador, que nos apetece agora ressuscitar, sobre os Açores e o sistema de transportes aéreos, não nos espanta que Bartolomeu fizesse algumas considerações, para as quais a nossa existência presente não nos ajudaria à resposta: É ou não importante que os Açorianos circulem a valores aceitáveis dentro dos Açores e para fora? É ou não fator absolutamente crítico para o turismo que os tão desejados turistas se consigam deslocar aos Açores a preços competitivos? Existem soluções ao atual modelo, técnica e economicamente sustentáveis? E a SATA, é um instrumento nesta solução ou uma condicionante?

Encontraria, talvez, certa unanimidade nas respostas e mesmo propostas de soluções, ora só anunciadas, ora só meio implementadas… por umas quaisquer contingências que nunca se entenderam bem. O bom padre-cientista, certamente, preferiria ir de nau, e questionar se os piratas, afinal, em vez de andarem no mar, não estariam por aí ou num tal… avião.

Açoriano Oriental, 31 de agosto de 2012

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

arkhi (chefe) + pelagos (mar)

Fizeram-nos parte da mesma família, mas fomos como que adotadas, depois de criadas. Fizeram-nos arquipélago, mas pouco temos de arquipelágicas. Ilhas que partilham algumas tradições e se veem obrigadas à pertença, mas peças algo isoladas. As ilhas dos Açores são assim. Pouco unidas, pouco interessadas nas vizinhas, pouco açorianas. Ao mesmo tempo, inventamos um conceito ainda mais estranho, o de “povo” açoriano.


Certo é que nos entrosamos pouco e justificamos esse distanciamento como riqueza de diversidade cultural, quando um elevado número de açorianos pouco conhece de outras ilhas e economicamente estamos muito longe de ser uma região, como pareceria lógico que o fossemos, a ideologia de um mercado interno não terá sequer passado nunca de mera ideologia, sem efetivas consequências.



Dividimos muito bem os pelouros e temos a Educação e Saúde que “vem da Terceira”, a Economia que “vem de S. Miguel”, outros exemplos de outros lados, demasiadas vezes desfasados da realidade do próprio arquipélago que pretendem gerir.

Elegemos em excesso 57 pares deste reino atlântico. E não há desculpas sobre proporcionalidade, a invenção nesta área voou que já não se vê. Paira uma nuvem de produtividade legislativa sobre a Horta.

Não haverá que criar, ou tentar criar, um mercado que funcione entre ilhas, colocar governantes a trabalhar para o serviço comum e, francamente, pedir a este Parlamento que olhe para si mesmo e faça um exame de consciência!? A criação foi nossa, os Açores, estão aí.

Açoriano Oriental, 23 de agosto de 2012

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

A máquina do tempo

No pico do verão, do nosso costumeiro calor com humidade que ninguém aguenta, falemos um pouco da ficção que inventamos e tomamos como realidade, dos agentes que têm mais ou menos recursos e do dinheiro que criamos.

A banca e o sistema financeiro são na verdade uma máquina de transporte de recursos no tempo. Parece-lhe estranho? Venha daí. A história não é bem a de Star Trek, mas… “energize!”.


Quem tem recursos a mais coloca-os, sob a forma monetária, nos bancos, efetuando poupança, recebendo juros, e ficando com o direito de resgatar esses valores, relegando para o futuro o consumo que poderia fazer hoje. Quem tem menos recursos obtém, através de empréstimos, junto da banca, valores monetários que converte em consumo atual, ficando com a obrigação de pagar um juro e o próprio valor tomado de empréstimo num qualquer futuro definido.

E, assim, adiamos ou antecipamos consumos, consoante a nossa situação excedentária ou deficitária de recursos, tornando a banca uma autêntica máquina de transportar recursos no tempo.

Uma tão complexa e importante máquina é muito poder neste nosso atual mundo consumista. O euro baralhou-nos as contas, muito se emprestou para tão pouco que se arrecadou, pelo que os senhores da troika também nos vieram dizer para fazer uma revisão à máquina, não vá ela (de novo) exceder-se ou baralhar-se e perder recursos algures no tempo. É que na gestão destes transportes há buracos negros… e não é um qualquer “energize” que nos tira da negrura do buraco em que estamos.

Açoriano Oriental, 16 de agosto de 2012

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

A velhinha

O direito adquirido toma-se como se sempre existisse - a nova base de uma escala que está de novo a zero, independentemente dos direitos açambarcados. Na realidade estamos sempre no zero da escala de direitos, no nosso zero, entenda-se.

Os Povos fundaram-se em direitos que, uma vez tomados como devidos, se tornam base civilizacional, pelo menos até às revoluções, em sentido lato.

Nas empresas, o direito de melhores condições!; mas também os abusos dos trabalhadores, tornados direitos, por lógicas sinuosas.

Na escala de direitos, quem perdeu o emprego, por revolução operada sem intervenção própria, foi obrigado a refazer a escala, tal como quem hoje perdeu regalias. Outros, na contingência, quiçá desonestamente fundada em frugalidade, vão, por sugestão do empregador, ver reduzir-lhe o ordenado ou optar por refundar (mais abaixo ainda) a escala de direitos.

Nesta aceção, forjada como outras, estar sem emprego é tão adquirido direito como andar de carro da empresa; andar pobremente vestido o mesmo que andar de casaco de tweed; não comer tão equivalente a almoçar nos melhores restaurantes com cartão de crédito do empregador.

Patético!? Absolutamente patético!

Por isso, talvez nem percebamos o que nos rodeia, o quão mais pobre hoje está uma faixa da população que se perdeu na escala de direitos.

Contou-me outro dia uma pessoa que não fora a generosidade da mãe que todos os dias lhe pedia para ir entregar um prato de sopa a uma velhinha esta viveria em pobreza.

Açoriano Oriental, 9 de agosto de 2012

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Agapantos

Muita nossa a mania de tudo ter de ser muito claro, sem margem para dúvidas, como os agapantos - lilases ou brancos! Por sinal, perdidos num rol bem maior de estilos “agapantescos”.

Ora esta noção dicromática das coisas está fora de moda e não fica bem a pessoa de bem. As coisas não são classificadas diametralmente entre boas ou más. As ideias, as ações, os objetivos e intenções têm normalmente intrínsecos tanto coisas boas, como más (ou menos boas, como parece ser mais académico dizer para não ofender as ditas).

A avassaladora vontade de ver tudo a branco e lilás, e de impor cores a flores ainda em botão, faz-nos como aos cavalos, que trotam em frente e ignoram a visão periférica, estes por imposição, nós por opção. Há ainda os que, por daltonismo resultante de incapacidade ou falta de vontade, lá vão vendo os agapantos com as cores que outros lhes ditam.

A monocromia resulta em elevados custos de oportunidade e, nos tempos que correm, incorrermos em custos por não consideramos o potencial de outras opções não será a melhor postura. Observar, concluir, sugerir, contribuir para o envolvente com opinião fundada faz-nos a todos melhor. À sugestão de uma ideia podem acrescentar-se outras. As soluções não nasceram nunca em momento instantâneo e isso é que é a sociedade civil a participar, se, de uma assentada, não lhe sorrirem apenas à sugestão e se fixarem de novo no agapanto de estimação.

Certo, certo, é que não há canteiro de agapantos que resista a outras flores de permeio.

Açoriano Oriental, 2 de agosto de 2012

quinta-feira, 26 de julho de 2012

O “entropista”


A Graciosa acolheu este fim de semana o Fórum 2012 da Câmara do Comércio e Indústria dos Açores que vai já na sua terceira edição. Aparte o que foram considerados alguns ajustes de caráter conjuntural, urgem as reformas estruturais que o empresariado destas ilhas considerou essenciais para que o setor privado, motor fundamental na economia, não definhe ante as externalidades negativas a que estamos sujeitos.

Repetem-se os apelos para a alteração na afetação dos recursos públicos, através da despesa e na configuração do novo Quadro Comunitário de Apoio; a construção de um sistema de transportes integrado e competitivo; a reafirmação do turismo como setor determinante para o crescimento económico; a revisão do processo de financiamento da economia, com soluções e reedição de soluções mais arrojadas; a imperativa necessidade de se analisar e reduzir os custos de contexto; o mar…; a revitalização urbana…; o combate à economia paralela…; e tantas outras coisas.

Fala-se da integração das ilhas no processo de desenvolvimento económico e em estratégias de ilha, consubstanciadas em planos focados.

Os candidatos às próximas eleições regionais, creio que transversalmente se a memória não me falha, das declarações que têm produzido, junto dos empresários, assinarão de cruz todas estas conclusões, até porque são óbvias, claras e consensuais. Depois, entre a teoria e a prática, está a entropia. E como poderia dizer um velho cartaz do oeste americano «’Entropista’ procura-se, morto ou vivo”.

Açoriano Oriental, 26 de julho de 2012

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Refundar (como começar do zero)

Nunca fui contra que cada um tire o curso que bem lhe apraz, o saber de cada um é consigo. Já o saber que é ensinado por universidades públicas é connosco e, se para este contribuímos, convém que ensinemos aquilo que estará por troca no mercado de emprego.

Isto significa que é preciso abolir por completo o marasmo e rigidez estática com que alguns universitários encaram a instituição. As universidades têm de trabalhar para o mercado de trabalho! Abrir cursos porque sempre assim foi, porque dá jeito aos docentes que lá existem, porque ajuda a fomentar a tripolaridade (mesmo quando a sinergia do tripolar é mais etérea que real) é coisa que já não dá.

Depois, temos ainda os universitários de estufa que pensam que o mundo do trabalho é como as aulas teóricas a que se há de juntar umas práticas nos tempos livres - mais intercâmbios, mais prática no mundo real, mais realidade do mundo… são precisos. E quando for necessário ir para fora, em vez de se receber por cá uma formação menos eficaz, há algum problema!? Não é por termos universidade que somos mais competentes ou autonómicos, sê-lo-emos apenas se tivermos pessoas capazes.

Recentes problemas na universidade dos Açores serão talvez o sinal de que o pesado corpo não consegue voltar-se e encarar a realidade, que não é nova. O resultado está à vista, quando na lista de empregados e desempregados se percebe onde se trabalhou com visão em relação ao mundo que nos rodeia.

Como noutras coisas, não vale a pena rodeios. Refundar é preciso.


Açoriano Oriental, 19 de julho de 2012

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Carta de Recomendação

Por muito que se tente não ir com a maré, não podemos deixar de nos interrogar sobre os assuntos mais mediáticos, posto o lugar a que chegamos, baralhados sobre a sociedade em que estamos e sobre o que queremos.

Constatamos que se mistura deliberadamente o legal com o moral, com o que se justifica o imoral que não é ilegal. Rings a bell? E verificamos que se impõem estatutos elevados a quem consegue, por via direta ou indireta, um título de “doutor” – milagreiro na aldeola dos enfatuados. Vivemos da ilusão que criamos da realidade. A aristocracia, transmutada, mantém-se, porque o propósito era criar, pelo menos, uma espécie de meritocracia, que afinal fica em parte pela teoria.

Assistimos a uma enorme falha na Saúde – pois seja o sistema privado ou público, a questão é que não acedemos todos ao mesmo. Na Educação, estamos a deixar sem opção os que não suportam financeiramente os estudos, e a geração mais bem instruída de sempre está desempregada. Tratamos de forma desigual trabalhadores do privado e do público, para o bem e para o mal. E gabava-se Portugal de ter uma constituição das mais completas do mundo… facto de esotéricas consequências.

Os visionários e os esperançosos amocham ante o sistema, que à espera de reformas já deve estar reformado, com pensão de pouca monta, pois não era aristocrata.

O gap entre os que têm e podem é aumentado dia a dia face aos outros, e isto não é uma questão de ideologias, é a realidade dos factos.

Bem-vindos ao século XXI, Portugal recomenda-se!

Açoriano Oriental, 12 de julho de 2012

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Nem tanto ao mar nem tanto ao mar

Vivemos numa sociedade de pouco comprometimento. Sem ganas de agarrar o mar ou a terra, somos pelo “nem tanto ao mar, nem tanto à terra”, mas este limbo existencial, que até a Santa Sé já extinguiu, apenas nos empurra vagarosamente para a frente, sem efetivamente nos catapultar. Às vezes, mar! Às vezes, terra!


A este propósito, ocorre-me que, com esplêndidas condições para o ambiental e o renovável, anunciamos com pompa, mas fomos empurrando – nem tanto ao mar… o projeto do MIT Green Islands que estará por aí, na bruma das ilhas.

Os projetos Green Island constituem casos de regiões que atendem às necessidades energéticas a partir de fontes renováveis ​​locais - ecossistemas de energia distribuída sustentável, fora das restrições do legado dos modelos industriais.

Faltou-nos aquela qualquer coisinha, que nos falta tantas vezes, para em vez de pensarmos no mero amanhã, anteciparmos o futuro como ele já parece óbvio, e incorporar, não só no “estar” mas no “ser”, o sentido de ser verde, com pequenas ilhas-laboratório fundadas em políticas estruturantes, ao mesmo tempo que o caso se tornaria de estudo. Projetos-piloto, com elevada propensão de vingarem face à realidade das ilhas. Os Açores positivamente em contraciclo com o mundo industrial.

Podendo ser ótimos, vamo-nos contentando em ser apenas algo melhor do que os outros. Não estará na altura de agarrar algumas matérias com efetiva vontade de ser muito mais do que os outros!? Não há ideias? Não há debate? Não há vontade?

Açoriano Oriental, 5 de julho de 2012

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Chegou o inverão

Iniciado o verão, com o solstício, este parece vir menos quente, pelo menos para uns, e, mesmo a jeito com o acordo ortográfico, deve grafar-se com “v” minúsculo.

Por um lado, a construção civil parada; o turismo coartado de substancial parte de turistas nacionais e pelas falhas da operação com o norte da Europa; a restauração arrasada com o brutal aumento do IVA; a contração no consumo pelo aumento no IRS, a redução no crédito e a inexistência de subsídios de férias na função pública. Por outro, não negligenciemos uma parte relevante da população que, ainda que afetada pelo mesmo contexto económico, mantém em essência os seus rendimentos, e algumas empresas em setores mais privilegiados que podem dar algum fôlego a uma base económica fragilizada.


Face a um crescente iberismo económico, olha-se com preocupação a Espanha, na altura em que o nosso setor exportador parecia vir a ser menino do quadro de honra, ao mesmo tempo que nos preparamos para fazer parte de um clube cada vez maior de (potenciais) auxiliados pela troika, com garantia teórica de consolidação da nossa posição contratual, quando falida a receita da “austeridade” se ensaia um embrionário pendor de “crescimento”. 

O verão mudou de sinónimo, como é certo que os países quentes do Sul, em tempo de estio, sentem mais o frio e até nuestros hermanos deixaram cair os abanicos, com que de certo modo nos iam aliviando dos calores que por cá ainda subsistiam. Não é um verão caribenho, mas é o verão possível!

Açoriano Oriental, 28 de junho de 2012

quinta-feira, 21 de junho de 2012

hip hip hurray

Veio entrando de mansinho, pezinhos de lã, mas já cá o temos inteirinho, com a qualidade exigida pela troika e tudo – o novo código do trabalho.

Nem o mais alto dignitário da Nação teve muitas dúvidas em promulgar o novo Código, justificando que só 15% dos deputados haviam votado contra e não havia “indícios claros de inconstitucionalidade”- esteve bem nos “claros” o senhor.

De uma assentada, que é mais ou menos como se o morto saísse do caixão para a discoteca, alteram-se - com os pratos da balança, um a roçar o céu, outro assente no chão… - os requisitos de despedimento; as compensações por cessação do contrato de trabalho; os tempos de trabalho (bancos de horas, compensações, férias e feriados); as remunerações (com possível indexação à produtividade e a diminuição do valor pago por horas extra); e a vigência e efeitos das convenções coletivas de trabalho, sendo que aqui havia que impor alguma disciplina face ao caos que vigorava.

Facto é que Portugal, com exceção de 15% e das dúvidas constitucionais dos indícios menos claros, enveredou por um liberalismo ativo, tão certo como de boas intenções estarmos cheios, troikas incluídas.

As empresas agradecem tanta bonomia em época de austeridade, pelo menos até ao ponto em que as eventuais reduções de rendimento não redundarem em diminuições de consumo, e o País fica expectante se tanta liberdade vai dar mais produtividade e riqueza - hip hip hurray ao PIB, ou se vai reduzir o emprego - hip hip hurray ao (des)emprego.

Açoriano Oriental, 21 de junho de 2012

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Desenhos Animados

Disseram-me outro dia que a RTP Açores voltou ao que era depois do 25 de Abril. Questionei, com ironia, se agora também estava a começar a emissão com desenhos animados. Recebi um sorriso. Retorqui com outro.

A “nossa televisão” foi forçada a mudar-se sem que se tenha ainda percebido bem o que afinal daqui resultará.

Mais uma vez, a pedra de toque para a mudança foi económica - o custo exagerado, a que uns responderam que há coisas que não têm preço, que era um ataque ignóbil à autonomia. Ninguém poderá negar é que custo havia e não era pouco.

Somos mais açorianos se o que emitimos pelo nosso canal não é maioritariamente nosso ou, sendo-o, passa por um rol interminável de coroações, bodos de leite, procissões, ou outros eventos de toda e qualquer espécie? Tínhamos a televisão como nossa, íamos lá quando queríamos anunciar toda e qualquer atividade – divulgação cultural ou publicidade paga pelo erário público? A televisão era nossa, mas tornava-nos mais açorianos… ou dispersava-nos do essencial?

A matriz criada pode ter sido imposta, mas não é certo que esta televisão seja pior do que a outra. Talvez o que mais custe é ser esta versão de televisão um diktat da República que, tendemos a esquecer, também é a nossa.

Que se faça uma análise do que se quer e para que servem as coisas que temos e não tomemos nada por garantido, especialmente se não é lícito que implementámos a melhor solução, e, ainda que possamos ter o direito, se não pagamos as contas e quem as paga não tem dinheiro.

Açoriano Oriental, 14 de junho de 2012

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Economia Ferial

Escrevo-vos neste dia de Corpo de Deus, em quinta-feira feriado, festa instituída pelo Papa Urbano IV, e em Portugal por D. Dinis em 1282, quando parece consensualizado que este e outros tantos feriados vão ser extintos.

O tema dos feriados, pontes e afins foi levantado por uma questão económica. De facto, restam poucas dúvidas de que se as pessoas trabalharem mais a produção aumenta (até certo ponto), mas disto a cortar-se a direito vai uma grande distância. Algum bom senso porém, diga-se, encarnou nas almas que acabaram por legislar nesta matéria.

Sobre os feriados – os feriados deveriam ser primeiro pensados isolados da questão económica. Se há interesse em relembrar um momento da história ou cultura devem obviamente comemorar-se, no dia certo. Não creio que se tenha feito a reflexão séria sobre o que, e quando, comemoramos.

Sobre as pontes – se as pessoas faltam num determinado dia de ponte, os mecanismos legais devem ser postos em prática para justificar ou punir essa ausência, o que raramente foi feito.

Sobre as tolerâncias de ponto – resumem-se a um ofertório direto privilegiado do erário público aos trabalhadores do Estado e têm, portanto, um caráter discriminatório.

Com menos feriados – e, já agora, menos dias de férias –, Portugal passa de ligeiramente acima da média para o fundo da tabela de dias de descanso na Europa.

Aguardemos, então, por 2013, porque não em jubilosa esperança, pelo grande aumento do nosso PIB, com o fim dos feriados, mas… aguardemos sentados.

Açoriano Oriental, 7 de junho de 2012

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Sprechen Sie Deutsch?

Na sua incapacidade, na sua simplicidade pacóvia, Portugal contentou-se em estar na cauda da Europa, feliz por, quase sempre, atrás de si, vir a Grécia.

Mas a economia não se comove com tragédias gregas, ou, tão-pouco, portuguesas. Que é do sonho europeu? Irá a Europa recusar guarida a um seu filho, a Grécia? Não foi esta Europa criada para que todos os seus filhos fossem pródigos!?

Há outras condições para dar a mão à Grécia! Altaneira no seu pedestal, a Alemanha tem a responsabilidade moral, que lhe concedeu toda a imoralidade com que conduziu a II Guerra Mundial, de ser fator de coesão da Europa.

A União Europeia irá de facto deixar a Grécia afundar-se e sair do euro? Se tal ocorrer, teremos Portugal no fim derradeiro da cauda da Eurolândia, e a Europa, confrontada com o abandono de um dos seus, perderá a sua legitimidade e moralidade… vexada! Perdida por cem, perdida por mil. Oh! Portugal, Portugal, quem terá pena de ti?

Idos os tempos em que Camões terá escrito: Eis aqui, quase cume da cabeça \ De Europa toda, o Reino Lusitano. Mas idos também os tempos em que se olhava a Grécia com vénia, berço da democracia e base da cultura ocidental.

Afunde-se a Grécia! Afunde-se Portugal! Se a teoria é bater no fundo para renascer como fénix, vamos a isso! A isto nos parece conduzir a Alemanha, que por imposição ou negligência dos seus parceiros, manda nesta Europa. E parece haver já por aí muita gente a aprender alemão – como em outras coisas, primeiro estranha-se, depois… entranha-se.


Açoriano Oriental, 31 de maio de 2012

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Dezasseis mil, setecentos e dezasseis

O que mais nos aflige num número como 16.716, que reflete os mais conhecidos dados sobre o desemprego na Região, não é só a grandeza do número em si, é antes o facto de que para se chegar a 16.716 ser precisa a individualidade de cada uma das pessoas que constituem esse número, pois só “um”, mais “um”, mais “um”, mais muitos “uns”, dão os tais 16 mil e muitos “uns” desempregados.


Quem é esta gente, que é dada por anónima nos boletins estatísticos, mas que é tanta gente da nossa gente? Dizem-nos que é menos gente - que o desemprego melhorou -, facto é que é ainda muita gente. Gente igual à outra gente, aquela que faz parte dos 103.787 que se dá por “empregada”, e que se cruza nas mesmas ruas.



Se o Estado está condicionado pela troika na criação própria de emprego e é antes forçado a reduzi-lo; se o setor privado tem menos ganhos, porque confrontado com a diminuição do rendimento disponível das famílias pois aumentaram os impostos; se a banca não empresta dinheiro, influenciando a vida de particulares, de empresas e do investimento que geraria empregos… Afinal, que será de toda esta gente?

Não há incentivo ao emprego e ao investimento que resulte em efetivo emprego quando a economia está em tão elevada crise. Pode ser que o verão traga algum oxigénio na sazonalidade que o emprego a ele tem associado, mas amordaçamos demais a nossa capacidade interventiva (porque talvez interviemos demais). E certo é que continuamos a ser muita gente.

Açoriano Oriental, 24 de maio de 2012

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Galos de açúcar


Em Londres, no mais fino dos restaurantes, o pão sem guardanapo vem dentro de pequenas tinas de metal onde se pressente a ferrugem, os talheres são postos em cima das mesas, sem toalha.

Em Itália, não raras saem as fatias de piza para os pratos… com as mãos, já se sabe. Tal como em Paris, o pão é servido, na maioria das padarias, com as mãos, e assim levado por quem o compra, sem sacos ou puritanismos bacteriológicos.

Em Bruxelas, abundam bares e restaurantes com cadeiras e mesas de madeira pura, ambientes quentes, com minúsculas casas de banho de há muitos anos.

Por cá, não se sente o calor das gentes, quando, na profusão de leis impostas, tudo tem de ser lavável e “livre” de perigos para a saúde pública. Abundam, assim, o inox e o vidro - os ambientes são frios. Irritam-se empresários, arquitetos, fiscalizadores e clientes.

Condena-se a restauração a um enorme investimento, em cozinhas e sistemas de certificação, mas também ao exorcismo da qualidade de clientes que se sentam nas frias cadeiras laváveis. A restauração fica, assim, desprovida de caráter, submissa a estranhas imposições.

Querem-nos de touca, e vem isto a propósito das Festas, mas para não vendermos batatas com pimenta, e os célebres galos de açúcar estão proscritos - ou pelo menos condenados -, por decreto ou por purismo de quem tem por missão interpretar ou fazer cumprir a lei.

Algo está mal, mas o que não está mal, com certeza, é o direito de se poder continuar a comer um galinho de açúcar.

Açoriano Oriental, 17 de maio de 2012

quinta-feira, 10 de maio de 2012

O que nos ensinam os livros a €3,50


Sim, o pequeno grande livro existe mesmo e está disponível nos escaparates das livrarias pela módica quantia de €3,50.

Numa escrita assaz interessante e concisa, livre da profusão de rococós com que os teóricos gostam de explicar as coisas, mesmo as mais simples, Vítor Bento, o senhor sem cabelo, economista de grande renome, transporta-nos ao longo da Economia, explicando que esta emergiu da Moral e da Política - como os agentes se movem em torno de objetivos, estes são moralmente orientados através de uma escolha política.

Não deixa de ser curioso, a folhas muito mais à frente, no dito livro de €3,50, que o autor venha descrever, entre as várias causas para a atual crise, uma certa “arrogância epistemológica” dos que pensavam poder representar matematicamente e com modelos a vida económica dos agentes e, pasme-se, a crise estar também fundada na inexistência de valores, numa moralidade social que se dissipou com o fim das referências religiosas. Fraquejam o que Bento designa de “âncoras valorativas com largo acolhimento”.

Talvez tenhamos que voltar aos primórdios da Economia, ao tão distante Marshall, para percebermos que o caráter de uma pessoa não pode ser dissociado da forma como ela obtém o seu rendimento e que, portanto, a economia é indissociável da formação moral do Homem.

É muito ensinamento, afora o que não se disse, para tão pouco espaço neste artigo, mas, afinal, o livro só custa mesmo €3,50…

Açoriano Oriental, 10 de maio de 2012

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Alto! E para o baile

Entramos num ramerrame. Como ninguém se consegue mover sem pisar um dedo ao Estado – “Ai, desculpe!”, e como vêm aí eleições, melhor, melhor é ficar no canto da sala de baile para se ver mais à frente se se vem dançar à esquerda ou à direita. Nada de mal há aparentemente nisso, cada um é livre de optar por aguardar, para optar “pelo melhor”. Quem vier no fim que apague a luz.

Problema do ramerrame? Corrermos o sério risco de não se tomarem as opções que se deviam tomar na altura certa e, nesta fase socioeconómica tão crítica, bloquearmos as medidas impopulares para, quiçá, se promoverem mais uns votos. Não nos podemos deixar enganar com mezinhas. Há uma consciência individual e uma perceção que o bom senso não pode apagar.

Assistimos ao desenrolar dos bailinhos políticos, com contornos de ridículo, em discussões inacabadas da teoria da relatividade de tudo… e mudamos de canal. No entretanto, eles andam aí… os problemas, claro. Uma franja cada vez maior da população, cada vez menos anónima, passou à condição de “desempregado” e, nas empresas, palavras como “despedimento” ou “insolvência” já estão em uso corrente.

As pessoas e as empresas não podem esperar mais. Os bailinhos e o ramerrame não lhes interessam. Se isto já parece um filme do far west americano em versão far west europeu, talvez para que no “The End” tudo acabe em bem, então que entre por aí um cowboy e diga “Alto! E para o baile”.

Açoriano Oriental, 3 de maio de 2012

quinta-feira, 26 de abril de 2012

As GORDURinhas do Estado

O Estado está gordo, tão gordo que se engordar mais estoura. Não são apenas umas meras gordurinhas, são gorduras mesmo, por todo o lado.

Tal como nos habituamos a ver-nos ao espelho e a não notar as nossas transformações diárias, o Estado não engordou de um dia para o outro, foi engordando… ninguém notou.

Ninguém notou que o Estado é responsável por mais de 50% da economia; que é empregador abundante e farto; que se dá de generosidade sob a forma de parcerias, protocolos ou donativos a um sem número de associações; que se diverte em largas festas, onde não faltam roqueiras; que se deleita em instituições dentro da instituição – são institutos e associações, empresas e comissões, observatórios…

Ninguém consegue fugir ao papão do Estado, que em cada matéria tem algo a dizer, a recomendar, a legislar.

E quanto mais o Estado arremata nas iniciativas que podiam ser deixadas aos privados, ou no comprometimento dos recursos futuros, mais perdemos todos nós.

O Estado não tem de limpar umas gordurinhas, o Estado tem de reduzir-se drasticamente, porque quem dá de comer ao Estado somos nós (particulares e empresas) e não nos apetece continuar a contribuir para a obesidade do Estado.

Mas o Estado mexe com tudo e todos e o estado de envolvimento de todos no Estado é tal que muitos preferem que o Estado use de dieta menos drástica, tal como as gordurinhas do Estado preferem lá continuar, gordurando, gordurando…

E já nem é preciso que se venha dizer que “o rei vai nu” – já todos o sabem. Ação, meus senhores, ação é precisa!

Açoriano Oriental, 26 de abril de 2012

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Long Live the Queen


Se para os Gregos antigos, Zeus era o pai dos deuses, papel que Júpiter assumiu para os Romanos que lhes seguiram, no mundo atual parece que a monarquia é agora feminina e a rainha “endeusada” é a Economia. 

Posto que os recursos são escassos, o que pode equivaler a dizer que o dinheiro é pouco e deve por isso (ou deveria por isso…) ser bem gerido, parece que todos olham agora para a Economia como a deusa salvadora - a rainha, ora odiada, ora amada.

Onde estava essa Economia que deveria ajudar a alocar os recursos escassos face às necessidades ilimitadas e auxiliar a medição da utilidade de se tomarem opções? O erro, de principiante, foi achar-se que a Economia era cura apenas para os males que haviam de vir, chamada a intervir quando algo está mal, marginalizada quando tudo parece correr bem.

A economia não é um ser (ciência) que vive à parte e não é também só dos economistas, como a filosofia não é dos filósofos, ou o português dos professores de português. 

É certo que o economista tem outra preparação de base, outra responsabilidade, outro saber, mas voltando à génese daquilo que a economia é, cabe a cada um alocar os recursos que tem face às suas necessidades. Cada um de nós tem de perceber o que faz com os seus recursos e o que outros fazem com o que é nosso.

Se a Economia, como parece, é palavra de ordem, talvez não seja mesmo má ideia que se assuma como rainha dos deuses, do mal, decerto, o menos, e sendo preciso “Long Live the Economia”.

Açoriano Oriental, 19 de abril de 2012