quinta-feira, 31 de maio de 2012

Sprechen Sie Deutsch?

Na sua incapacidade, na sua simplicidade pacóvia, Portugal contentou-se em estar na cauda da Europa, feliz por, quase sempre, atrás de si, vir a Grécia.

Mas a economia não se comove com tragédias gregas, ou, tão-pouco, portuguesas. Que é do sonho europeu? Irá a Europa recusar guarida a um seu filho, a Grécia? Não foi esta Europa criada para que todos os seus filhos fossem pródigos!?

Há outras condições para dar a mão à Grécia! Altaneira no seu pedestal, a Alemanha tem a responsabilidade moral, que lhe concedeu toda a imoralidade com que conduziu a II Guerra Mundial, de ser fator de coesão da Europa.

A União Europeia irá de facto deixar a Grécia afundar-se e sair do euro? Se tal ocorrer, teremos Portugal no fim derradeiro da cauda da Eurolândia, e a Europa, confrontada com o abandono de um dos seus, perderá a sua legitimidade e moralidade… vexada! Perdida por cem, perdida por mil. Oh! Portugal, Portugal, quem terá pena de ti?

Idos os tempos em que Camões terá escrito: Eis aqui, quase cume da cabeça \ De Europa toda, o Reino Lusitano. Mas idos também os tempos em que se olhava a Grécia com vénia, berço da democracia e base da cultura ocidental.

Afunde-se a Grécia! Afunde-se Portugal! Se a teoria é bater no fundo para renascer como fénix, vamos a isso! A isto nos parece conduzir a Alemanha, que por imposição ou negligência dos seus parceiros, manda nesta Europa. E parece haver já por aí muita gente a aprender alemão – como em outras coisas, primeiro estranha-se, depois… entranha-se.


Açoriano Oriental, 31 de maio de 2012

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Dezasseis mil, setecentos e dezasseis

O que mais nos aflige num número como 16.716, que reflete os mais conhecidos dados sobre o desemprego na Região, não é só a grandeza do número em si, é antes o facto de que para se chegar a 16.716 ser precisa a individualidade de cada uma das pessoas que constituem esse número, pois só “um”, mais “um”, mais “um”, mais muitos “uns”, dão os tais 16 mil e muitos “uns” desempregados.


Quem é esta gente, que é dada por anónima nos boletins estatísticos, mas que é tanta gente da nossa gente? Dizem-nos que é menos gente - que o desemprego melhorou -, facto é que é ainda muita gente. Gente igual à outra gente, aquela que faz parte dos 103.787 que se dá por “empregada”, e que se cruza nas mesmas ruas.



Se o Estado está condicionado pela troika na criação própria de emprego e é antes forçado a reduzi-lo; se o setor privado tem menos ganhos, porque confrontado com a diminuição do rendimento disponível das famílias pois aumentaram os impostos; se a banca não empresta dinheiro, influenciando a vida de particulares, de empresas e do investimento que geraria empregos… Afinal, que será de toda esta gente?

Não há incentivo ao emprego e ao investimento que resulte em efetivo emprego quando a economia está em tão elevada crise. Pode ser que o verão traga algum oxigénio na sazonalidade que o emprego a ele tem associado, mas amordaçamos demais a nossa capacidade interventiva (porque talvez interviemos demais). E certo é que continuamos a ser muita gente.

Açoriano Oriental, 24 de maio de 2012

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Galos de açúcar


Em Londres, no mais fino dos restaurantes, o pão sem guardanapo vem dentro de pequenas tinas de metal onde se pressente a ferrugem, os talheres são postos em cima das mesas, sem toalha.

Em Itália, não raras saem as fatias de piza para os pratos… com as mãos, já se sabe. Tal como em Paris, o pão é servido, na maioria das padarias, com as mãos, e assim levado por quem o compra, sem sacos ou puritanismos bacteriológicos.

Em Bruxelas, abundam bares e restaurantes com cadeiras e mesas de madeira pura, ambientes quentes, com minúsculas casas de banho de há muitos anos.

Por cá, não se sente o calor das gentes, quando, na profusão de leis impostas, tudo tem de ser lavável e “livre” de perigos para a saúde pública. Abundam, assim, o inox e o vidro - os ambientes são frios. Irritam-se empresários, arquitetos, fiscalizadores e clientes.

Condena-se a restauração a um enorme investimento, em cozinhas e sistemas de certificação, mas também ao exorcismo da qualidade de clientes que se sentam nas frias cadeiras laváveis. A restauração fica, assim, desprovida de caráter, submissa a estranhas imposições.

Querem-nos de touca, e vem isto a propósito das Festas, mas para não vendermos batatas com pimenta, e os célebres galos de açúcar estão proscritos - ou pelo menos condenados -, por decreto ou por purismo de quem tem por missão interpretar ou fazer cumprir a lei.

Algo está mal, mas o que não está mal, com certeza, é o direito de se poder continuar a comer um galinho de açúcar.

Açoriano Oriental, 17 de maio de 2012

quinta-feira, 10 de maio de 2012

O que nos ensinam os livros a €3,50


Sim, o pequeno grande livro existe mesmo e está disponível nos escaparates das livrarias pela módica quantia de €3,50.

Numa escrita assaz interessante e concisa, livre da profusão de rococós com que os teóricos gostam de explicar as coisas, mesmo as mais simples, Vítor Bento, o senhor sem cabelo, economista de grande renome, transporta-nos ao longo da Economia, explicando que esta emergiu da Moral e da Política - como os agentes se movem em torno de objetivos, estes são moralmente orientados através de uma escolha política.

Não deixa de ser curioso, a folhas muito mais à frente, no dito livro de €3,50, que o autor venha descrever, entre as várias causas para a atual crise, uma certa “arrogância epistemológica” dos que pensavam poder representar matematicamente e com modelos a vida económica dos agentes e, pasme-se, a crise estar também fundada na inexistência de valores, numa moralidade social que se dissipou com o fim das referências religiosas. Fraquejam o que Bento designa de “âncoras valorativas com largo acolhimento”.

Talvez tenhamos que voltar aos primórdios da Economia, ao tão distante Marshall, para percebermos que o caráter de uma pessoa não pode ser dissociado da forma como ela obtém o seu rendimento e que, portanto, a economia é indissociável da formação moral do Homem.

É muito ensinamento, afora o que não se disse, para tão pouco espaço neste artigo, mas, afinal, o livro só custa mesmo €3,50…

Açoriano Oriental, 10 de maio de 2012

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Alto! E para o baile

Entramos num ramerrame. Como ninguém se consegue mover sem pisar um dedo ao Estado – “Ai, desculpe!”, e como vêm aí eleições, melhor, melhor é ficar no canto da sala de baile para se ver mais à frente se se vem dançar à esquerda ou à direita. Nada de mal há aparentemente nisso, cada um é livre de optar por aguardar, para optar “pelo melhor”. Quem vier no fim que apague a luz.

Problema do ramerrame? Corrermos o sério risco de não se tomarem as opções que se deviam tomar na altura certa e, nesta fase socioeconómica tão crítica, bloquearmos as medidas impopulares para, quiçá, se promoverem mais uns votos. Não nos podemos deixar enganar com mezinhas. Há uma consciência individual e uma perceção que o bom senso não pode apagar.

Assistimos ao desenrolar dos bailinhos políticos, com contornos de ridículo, em discussões inacabadas da teoria da relatividade de tudo… e mudamos de canal. No entretanto, eles andam aí… os problemas, claro. Uma franja cada vez maior da população, cada vez menos anónima, passou à condição de “desempregado” e, nas empresas, palavras como “despedimento” ou “insolvência” já estão em uso corrente.

As pessoas e as empresas não podem esperar mais. Os bailinhos e o ramerrame não lhes interessam. Se isto já parece um filme do far west americano em versão far west europeu, talvez para que no “The End” tudo acabe em bem, então que entre por aí um cowboy e diga “Alto! E para o baile”.

Açoriano Oriental, 3 de maio de 2012