sexta-feira, 31 de agosto de 2012

O Padre Voador

Para Bartolomeu de Gusmão ficam os louros de inventar e pôr em voo a primeira aeronave conhecida no mundo. Em Lisboa, ano de 1709, o aeróstato é chamado de Passarola e o seu inventor, português nascido no Brasil, padre jesuíta, fica para a história como o “padre voador”.

O padre voador estaria longe de vir a pensar o que seria um avião e a importância que teria para encurtar a geografia e aproximar as pessoas; nem consta que se preocupasse muito com os Açores e a sua estratégica, mas distante, localização.

Com uma breve contextualização ao padre voador, que nos apetece agora ressuscitar, sobre os Açores e o sistema de transportes aéreos, não nos espanta que Bartolomeu fizesse algumas considerações, para as quais a nossa existência presente não nos ajudaria à resposta: É ou não importante que os Açorianos circulem a valores aceitáveis dentro dos Açores e para fora? É ou não fator absolutamente crítico para o turismo que os tão desejados turistas se consigam deslocar aos Açores a preços competitivos? Existem soluções ao atual modelo, técnica e economicamente sustentáveis? E a SATA, é um instrumento nesta solução ou uma condicionante?

Encontraria, talvez, certa unanimidade nas respostas e mesmo propostas de soluções, ora só anunciadas, ora só meio implementadas… por umas quaisquer contingências que nunca se entenderam bem. O bom padre-cientista, certamente, preferiria ir de nau, e questionar se os piratas, afinal, em vez de andarem no mar, não estariam por aí ou num tal… avião.

Açoriano Oriental, 31 de agosto de 2012

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

arkhi (chefe) + pelagos (mar)

Fizeram-nos parte da mesma família, mas fomos como que adotadas, depois de criadas. Fizeram-nos arquipélago, mas pouco temos de arquipelágicas. Ilhas que partilham algumas tradições e se veem obrigadas à pertença, mas peças algo isoladas. As ilhas dos Açores são assim. Pouco unidas, pouco interessadas nas vizinhas, pouco açorianas. Ao mesmo tempo, inventamos um conceito ainda mais estranho, o de “povo” açoriano.


Certo é que nos entrosamos pouco e justificamos esse distanciamento como riqueza de diversidade cultural, quando um elevado número de açorianos pouco conhece de outras ilhas e economicamente estamos muito longe de ser uma região, como pareceria lógico que o fossemos, a ideologia de um mercado interno não terá sequer passado nunca de mera ideologia, sem efetivas consequências.



Dividimos muito bem os pelouros e temos a Educação e Saúde que “vem da Terceira”, a Economia que “vem de S. Miguel”, outros exemplos de outros lados, demasiadas vezes desfasados da realidade do próprio arquipélago que pretendem gerir.

Elegemos em excesso 57 pares deste reino atlântico. E não há desculpas sobre proporcionalidade, a invenção nesta área voou que já não se vê. Paira uma nuvem de produtividade legislativa sobre a Horta.

Não haverá que criar, ou tentar criar, um mercado que funcione entre ilhas, colocar governantes a trabalhar para o serviço comum e, francamente, pedir a este Parlamento que olhe para si mesmo e faça um exame de consciência!? A criação foi nossa, os Açores, estão aí.

Açoriano Oriental, 23 de agosto de 2012

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

A máquina do tempo

No pico do verão, do nosso costumeiro calor com humidade que ninguém aguenta, falemos um pouco da ficção que inventamos e tomamos como realidade, dos agentes que têm mais ou menos recursos e do dinheiro que criamos.

A banca e o sistema financeiro são na verdade uma máquina de transporte de recursos no tempo. Parece-lhe estranho? Venha daí. A história não é bem a de Star Trek, mas… “energize!”.


Quem tem recursos a mais coloca-os, sob a forma monetária, nos bancos, efetuando poupança, recebendo juros, e ficando com o direito de resgatar esses valores, relegando para o futuro o consumo que poderia fazer hoje. Quem tem menos recursos obtém, através de empréstimos, junto da banca, valores monetários que converte em consumo atual, ficando com a obrigação de pagar um juro e o próprio valor tomado de empréstimo num qualquer futuro definido.

E, assim, adiamos ou antecipamos consumos, consoante a nossa situação excedentária ou deficitária de recursos, tornando a banca uma autêntica máquina de transportar recursos no tempo.

Uma tão complexa e importante máquina é muito poder neste nosso atual mundo consumista. O euro baralhou-nos as contas, muito se emprestou para tão pouco que se arrecadou, pelo que os senhores da troika também nos vieram dizer para fazer uma revisão à máquina, não vá ela (de novo) exceder-se ou baralhar-se e perder recursos algures no tempo. É que na gestão destes transportes há buracos negros… e não é um qualquer “energize” que nos tira da negrura do buraco em que estamos.

Açoriano Oriental, 16 de agosto de 2012

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

A velhinha

O direito adquirido toma-se como se sempre existisse - a nova base de uma escala que está de novo a zero, independentemente dos direitos açambarcados. Na realidade estamos sempre no zero da escala de direitos, no nosso zero, entenda-se.

Os Povos fundaram-se em direitos que, uma vez tomados como devidos, se tornam base civilizacional, pelo menos até às revoluções, em sentido lato.

Nas empresas, o direito de melhores condições!; mas também os abusos dos trabalhadores, tornados direitos, por lógicas sinuosas.

Na escala de direitos, quem perdeu o emprego, por revolução operada sem intervenção própria, foi obrigado a refazer a escala, tal como quem hoje perdeu regalias. Outros, na contingência, quiçá desonestamente fundada em frugalidade, vão, por sugestão do empregador, ver reduzir-lhe o ordenado ou optar por refundar (mais abaixo ainda) a escala de direitos.

Nesta aceção, forjada como outras, estar sem emprego é tão adquirido direito como andar de carro da empresa; andar pobremente vestido o mesmo que andar de casaco de tweed; não comer tão equivalente a almoçar nos melhores restaurantes com cartão de crédito do empregador.

Patético!? Absolutamente patético!

Por isso, talvez nem percebamos o que nos rodeia, o quão mais pobre hoje está uma faixa da população que se perdeu na escala de direitos.

Contou-me outro dia uma pessoa que não fora a generosidade da mãe que todos os dias lhe pedia para ir entregar um prato de sopa a uma velhinha esta viveria em pobreza.

Açoriano Oriental, 9 de agosto de 2012

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Agapantos

Muita nossa a mania de tudo ter de ser muito claro, sem margem para dúvidas, como os agapantos - lilases ou brancos! Por sinal, perdidos num rol bem maior de estilos “agapantescos”.

Ora esta noção dicromática das coisas está fora de moda e não fica bem a pessoa de bem. As coisas não são classificadas diametralmente entre boas ou más. As ideias, as ações, os objetivos e intenções têm normalmente intrínsecos tanto coisas boas, como más (ou menos boas, como parece ser mais académico dizer para não ofender as ditas).

A avassaladora vontade de ver tudo a branco e lilás, e de impor cores a flores ainda em botão, faz-nos como aos cavalos, que trotam em frente e ignoram a visão periférica, estes por imposição, nós por opção. Há ainda os que, por daltonismo resultante de incapacidade ou falta de vontade, lá vão vendo os agapantos com as cores que outros lhes ditam.

A monocromia resulta em elevados custos de oportunidade e, nos tempos que correm, incorrermos em custos por não consideramos o potencial de outras opções não será a melhor postura. Observar, concluir, sugerir, contribuir para o envolvente com opinião fundada faz-nos a todos melhor. À sugestão de uma ideia podem acrescentar-se outras. As soluções não nasceram nunca em momento instantâneo e isso é que é a sociedade civil a participar, se, de uma assentada, não lhe sorrirem apenas à sugestão e se fixarem de novo no agapanto de estimação.

Certo, certo, é que não há canteiro de agapantos que resista a outras flores de permeio.

Açoriano Oriental, 2 de agosto de 2012