quinta-feira, 20 de setembro de 2012

O estado da (des)arte

1. A espontaneidade e mediatismo das manifestações que ocorreram em todo o País são um marco que dão um sinal bem claro de que, ainda que economicamente possamos estar débeis, temos de impedir a instabilidade social, não só por razões socioeconómicas, mas porque o Estado de direito e a ética da cidadania a isso obrigam.

2. A constatação algo unânime da situação socioeconómica, especialmente nos Açores, levou a Câmara do Comércio e Indústria dos Açores, a Associação Agrícola de S. Miguel e a União Geral de Trabalhadores (UGT)/ Açores a assinaram um documento que saiu sob a designação de “Manifesto” e subtitulado “Construir a Sustentabilidade do Emprego em Organizações Competitivas”. Sindicatos e patronato unidos numa mesma frente não será algo muito comum e só isto reflete bem o estado da (des)arte…

3. Foi apresentada a Carta Regional de Competitividade da Região Autónoma dos Açores que se crê ser um documento sério e dar um verdadeiro contributo para que os Açores enveredem por uma via sustentável e continuada de crescimento. Do extenso documento realça-se que futuros planos de ação devem ser alicerçados num triângulo Natureza - Conetividade [transportes e comunicações] - Conhecimento. Talvez nada de novo... talvez o reforço do óbvio crie mesmo algo de novo!

4. Entretanto, em Bruxelas, discute-se a nova política de promoção de produtos. Juntar tudo sob a “bandeira” da União Europeia parece ser o caminho que os eurocratas pretendem, não será talvez o que melhor sirva os Açores.

Açoriano Oriental, 20 de setembro de 2012

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Expliquem-nos sff

Só a ignorância natural de todos poderá justificar que não alcancemos o inalcançável - ninguém consegue perceber aonde nos leva o caminho das novas medidas fiscais. O mínimo que se poderia exigir era que nos explicassem, como se fossemos muito burros, pois nem a panóplia de grandes economistas, nem os grandes do empresariado, nem a sociedade civil, nem o anónimo cidadão percebem.

Que mais não seja pela repetitividade do discurso, já percebemos que gastamos demais, que o Estado não aguenta, que temos de sofrer as consequências da gula, que estamos cada vez mais gregos.

A hora é crítica, por isso exigente para os políticos. Mas esses mesmos políticos não podem anunciar a dureza sem explicar o motivo, usar de deselegância na forma, por pseudoelegância no fim. 

E o anónimo não pode continuar a ser o bobo da corte, mesmo que na realidade seja ele o cidadão da república a quem incumbe pagar pela gula…



Onde está o exemplo? As reduções de regalias e de ordenados de parlamentares, governantes e gestores públicos, ainda que por princípio!? Onde está o travão à corrupção que entra pelos olhos de todos, essa sim muito corruptiva do orçamento deficitário? Onde está a extinção de departamentos, associações, observatórios, institutos, empresas e outras formas de sorver o erário público? E que é feito da revisão das PPP?

Ah! E não nos esqueçamos de usar bem a terminologia: os impostos sobre o rendimento das pessoas não aumentaram 7%, foi só a TSU que aumentou, ao menos isso nos fizeram o favor de explicar.

Açoriano Oriental, 13 de setembro de 2012

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Um Memorando só para mim

Costuma dizer-se “perdido por cem, perdido por mil”, neste caso parece que nos perdemos por cento e trinta e cinco - 135 milhões de euros, valor do empréstimo que a República concedeu à Região.

Conforme o hábito, também houve honras de “Memorando de Entendimento”, entre o Governo da República Portuguesa e o Governo dos Açores. Catorze pontos que, para além de estabelecerem a efetivação do empréstimo, estabelecem que a Região se compromete a “aplicar as medidas que visam garantir o cumprimento dos objetivos do PAEF [Programa de Ajustamento Económico e Financeiro], no quadro das suas competências constitucionais e estatutárias, adotando, se necessário, iniciativas legislativas ou regulamentares” e ainda a aplicar “todas as medidas previstas em Lei do Orçamento do Estado, que respeitem, direta ou indiretamente, a quaisquer remunerações dos trabalhadores em funções públicas”.

Caiu o pano! Ao mesmo tempo, está em curso o guião para a peça de teatro a que vamos estar sujeitos, pelo menos enquanto durar o programa da troika e o empréstimo que a Região pediu.

A julgar pelo momento político e pelo histórico que por aí vai dos que vão pedindo ajudas para as finanças, perder-se por 135 milhões deve ter sido lancinante, mais se ficar no ar a ideia que outros ajustamentos haveria. Quiçá haverá, num tempo que não é este.

A República talvez até agradeça. Por pouco custo garante o apreciado apoio dos Açores no esforço nacional de convergência troikiana. Dá a (mão) direita, retribui a esquerda.

Açoriano Oriental, 6 de setembro de 2012

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

O Padre Voador

Para Bartolomeu de Gusmão ficam os louros de inventar e pôr em voo a primeira aeronave conhecida no mundo. Em Lisboa, ano de 1709, o aeróstato é chamado de Passarola e o seu inventor, português nascido no Brasil, padre jesuíta, fica para a história como o “padre voador”.

O padre voador estaria longe de vir a pensar o que seria um avião e a importância que teria para encurtar a geografia e aproximar as pessoas; nem consta que se preocupasse muito com os Açores e a sua estratégica, mas distante, localização.

Com uma breve contextualização ao padre voador, que nos apetece agora ressuscitar, sobre os Açores e o sistema de transportes aéreos, não nos espanta que Bartolomeu fizesse algumas considerações, para as quais a nossa existência presente não nos ajudaria à resposta: É ou não importante que os Açorianos circulem a valores aceitáveis dentro dos Açores e para fora? É ou não fator absolutamente crítico para o turismo que os tão desejados turistas se consigam deslocar aos Açores a preços competitivos? Existem soluções ao atual modelo, técnica e economicamente sustentáveis? E a SATA, é um instrumento nesta solução ou uma condicionante?

Encontraria, talvez, certa unanimidade nas respostas e mesmo propostas de soluções, ora só anunciadas, ora só meio implementadas… por umas quaisquer contingências que nunca se entenderam bem. O bom padre-cientista, certamente, preferiria ir de nau, e questionar se os piratas, afinal, em vez de andarem no mar, não estariam por aí ou num tal… avião.

Açoriano Oriental, 31 de agosto de 2012

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

arkhi (chefe) + pelagos (mar)

Fizeram-nos parte da mesma família, mas fomos como que adotadas, depois de criadas. Fizeram-nos arquipélago, mas pouco temos de arquipelágicas. Ilhas que partilham algumas tradições e se veem obrigadas à pertença, mas peças algo isoladas. As ilhas dos Açores são assim. Pouco unidas, pouco interessadas nas vizinhas, pouco açorianas. Ao mesmo tempo, inventamos um conceito ainda mais estranho, o de “povo” açoriano.


Certo é que nos entrosamos pouco e justificamos esse distanciamento como riqueza de diversidade cultural, quando um elevado número de açorianos pouco conhece de outras ilhas e economicamente estamos muito longe de ser uma região, como pareceria lógico que o fossemos, a ideologia de um mercado interno não terá sequer passado nunca de mera ideologia, sem efetivas consequências.



Dividimos muito bem os pelouros e temos a Educação e Saúde que “vem da Terceira”, a Economia que “vem de S. Miguel”, outros exemplos de outros lados, demasiadas vezes desfasados da realidade do próprio arquipélago que pretendem gerir.

Elegemos em excesso 57 pares deste reino atlântico. E não há desculpas sobre proporcionalidade, a invenção nesta área voou que já não se vê. Paira uma nuvem de produtividade legislativa sobre a Horta.

Não haverá que criar, ou tentar criar, um mercado que funcione entre ilhas, colocar governantes a trabalhar para o serviço comum e, francamente, pedir a este Parlamento que olhe para si mesmo e faça um exame de consciência!? A criação foi nossa, os Açores, estão aí.

Açoriano Oriental, 23 de agosto de 2012

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

A máquina do tempo

No pico do verão, do nosso costumeiro calor com humidade que ninguém aguenta, falemos um pouco da ficção que inventamos e tomamos como realidade, dos agentes que têm mais ou menos recursos e do dinheiro que criamos.

A banca e o sistema financeiro são na verdade uma máquina de transporte de recursos no tempo. Parece-lhe estranho? Venha daí. A história não é bem a de Star Trek, mas… “energize!”.


Quem tem recursos a mais coloca-os, sob a forma monetária, nos bancos, efetuando poupança, recebendo juros, e ficando com o direito de resgatar esses valores, relegando para o futuro o consumo que poderia fazer hoje. Quem tem menos recursos obtém, através de empréstimos, junto da banca, valores monetários que converte em consumo atual, ficando com a obrigação de pagar um juro e o próprio valor tomado de empréstimo num qualquer futuro definido.

E, assim, adiamos ou antecipamos consumos, consoante a nossa situação excedentária ou deficitária de recursos, tornando a banca uma autêntica máquina de transportar recursos no tempo.

Uma tão complexa e importante máquina é muito poder neste nosso atual mundo consumista. O euro baralhou-nos as contas, muito se emprestou para tão pouco que se arrecadou, pelo que os senhores da troika também nos vieram dizer para fazer uma revisão à máquina, não vá ela (de novo) exceder-se ou baralhar-se e perder recursos algures no tempo. É que na gestão destes transportes há buracos negros… e não é um qualquer “energize” que nos tira da negrura do buraco em que estamos.

Açoriano Oriental, 16 de agosto de 2012

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

A velhinha

O direito adquirido toma-se como se sempre existisse - a nova base de uma escala que está de novo a zero, independentemente dos direitos açambarcados. Na realidade estamos sempre no zero da escala de direitos, no nosso zero, entenda-se.

Os Povos fundaram-se em direitos que, uma vez tomados como devidos, se tornam base civilizacional, pelo menos até às revoluções, em sentido lato.

Nas empresas, o direito de melhores condições!; mas também os abusos dos trabalhadores, tornados direitos, por lógicas sinuosas.

Na escala de direitos, quem perdeu o emprego, por revolução operada sem intervenção própria, foi obrigado a refazer a escala, tal como quem hoje perdeu regalias. Outros, na contingência, quiçá desonestamente fundada em frugalidade, vão, por sugestão do empregador, ver reduzir-lhe o ordenado ou optar por refundar (mais abaixo ainda) a escala de direitos.

Nesta aceção, forjada como outras, estar sem emprego é tão adquirido direito como andar de carro da empresa; andar pobremente vestido o mesmo que andar de casaco de tweed; não comer tão equivalente a almoçar nos melhores restaurantes com cartão de crédito do empregador.

Patético!? Absolutamente patético!

Por isso, talvez nem percebamos o que nos rodeia, o quão mais pobre hoje está uma faixa da população que se perdeu na escala de direitos.

Contou-me outro dia uma pessoa que não fora a generosidade da mãe que todos os dias lhe pedia para ir entregar um prato de sopa a uma velhinha esta viveria em pobreza.

Açoriano Oriental, 9 de agosto de 2012